Resenha de "Demon Ninja"
Desta feita A Máquina do RPG traz-te a resenha de Demon Ninja, o TTRPG de sobrevivência e horror militar passado num "Japão fictício da era medieval amaldiçoado por uma epidemia de tentáculos parasitas, guerra, demónios e shinobi mortais".
É sempre complicado para mim fazer uma resenha dum RPG com temática inspirada no Japão feudal. As minhas referências de RPGs sobre samurais são Legend of the Five Rings e Blood & Honor (ambos do genial John Wick); ou no caso de ninjas (embora num setting moderno), Shinobigami (no meu Top 2 dos melhores TTRPGs de todos os tempos). Portanto, uma fasquia elevadíssima.
(A própria Máquina do RPG tem em hiato, algures numa gaveta esquecida um rascunho do seu Solorized Ninjæ, que ambiciona vir a ser o derradeiro jogo de furtividade!)
Contactada pela Disciple Studios, A Máquina do RPG aquiesceu em fazer a resenha do seu mais recente jogo Demon Ninja. A editora em si não é nenhuma manceba nestas andanças e A Máquina já a conhece desde o lançamento do Radokai, o jogo que estreou o sistema Drop1, da qual a Disciple Studios é proprietária.
Mas comecemos então pela capa de Demon Ninja.
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Ao primeiro relance, a origem de IA da arte é óbvia. Ao mesmo tempo, a capa desperta uma paleta sóbria, porém magnífica. A atmosfera bafienta que rodeia o corpo corrompido do ninja contrasta de forma bela com o cor-de-rosa das ramas de sakura que flutuam pacifica e aparentemente numa queda lenta.
Contudo, A Máquina do RPG tem alguma sensibilidade estética (a que alguns poderão chamar de "preconceito") no que toca a arte de IA (Inteligência Artificial). E esta capa denota-o. Por outro lado, A Máquina tem em conta que nem toda a arte de IA é necessariamente feliz ou infeliz. Simplesmente tem uma identidade visual muito própria e uma tendência para uma certa repetição. Quem já viu muita sabe ao que me refiro. De modo muito "bruto", posso dizer que toda a arte de IA parece-se toda ao mesmo e essa camada de primeira impressão gatilha sempre antes de qualquer mensagem visual que o produtor da arte pretenda passar. Ou seja, o "veículo" toma precedência ao "veiculado" no que toca ao impacto inicial. Esta é uma discussão longa que A Máquina não quer desenvolver aqui, mas que aproveita para concluir duas coisas:
- Com tanta arte bonita no interior e com uma novela gráfica de luxo (ler mais à frente) a condizer, era mesmo preciso uma arte de IA na capa? É que estamos a falar da capa! É só a peça de arte mais importante de qualquer livro, seja de RPG ou não! Aos futuros designers de TTRPGs: se não tiverem absolutamente nenhuma habilidade gráfica, artística ou dinheiro para toda a arte do vosso jogo, pelo menos garantam uma boa capa de arte original! Esta é a pérola que vos deixo.
- Verdade seja dita, o produtor da arte (o gajo que tecla as palavras-chave no Midjourney) em Demon Ninja dá-lhe bem! Normalmente topo a léguas a arte IA mas no caso desta hesitei um microssegundo, não porque não se parecesse com uma mas por ter uma composição tão bonita, nomeadamente o feliz casamento das cores. (Não querendo opinar injustamente, A Máquina inquiriu à Disciple Studios a proveniência da capa e esta confirmou tratar-se de IA).
- livro digital de regras, setting e templates de 175 páginas
- banda desenhada a cores de 9 páginas
Pelo menos pelo preço mas... vale a pena sequer dar uma voltinha nele? Analisemos então.
3D6 é tudo o que se precisa para se jogar Demon Ninja.
Neste exemplo pode-se ver uma Falha Crítica, já que dois dos dados apresentam "1".
Nesta versão as mecânicas estão agilizadas e desfrutam de um caráter próprio. A resolução mecânica das ações é a seguinte (numa tradução livre do inglês):
- Se 2 ou mais dados rolarem “6”, então o jogador teve um Sucesso Crítico;
- Se 2 ou mais dados rolarem “1”, então o jogador teve uma (...) Falha Crítica;
- Caso contrário, o jogador escolhe um dado e retira-o (...) da pilha (normalmente, o resultado mais baixo). Os dois dados restantes são adicionados às Características de Personagem (...) e o resultado dessa soma é comparado ao Nível de Dificuldade da ação. (...) Ser auxiliado por outra personagem numa tarefa concede-lhe um bônus único de +1 no resultado final."
Simples, não é? E um sistema diferente e distinto!
Queres outra pérola?
Sucessos Críticos auferem +1 XP enquanto que Falhas Críticas penalizam-te com -1 XP, à parte de qualquer outro ganho que possa advir das atribuições normais da aventura.
E mais uma:
Existe XP individual e XP coletiva! Se isto não incentiva ao espírito de cooperação, então não sei o que o fará!
As mecânicas cabem todas em 10 páginas apenas do livro de regras. Sim, leste bem. Tudo o resto são detalhes sobre o universo do jogo, conceitos e inspiração estética.
E por falar em estética!
A arte
M. Solid (o autor de Demon Ninja) pode ser o cérebro de todo este projeto mas os seus oito (!) amigos artistas não lhe ficam atrás na hora de mostrar o seu universo fascinante e grotesco. Embora a equipa de arte seja extensa, há toda uma continuidade no seu estilo. Isto faz A Máquina pensar que M. Solid comunicou bem à sua equipa a visão de jogo e/ou que pelo menos todos jogaram Demon Ninja e que as sensações do jogo lhes deixaram forte impressão, dada a coerência estética. Quando inquirida sobre ter havido algum concept artist envolvido, a Disciple Studios confirmou À Máquina que não contou com nenhum. Desta forma, embora o risco de descontinuidade entre as peças fosse alto (oito artistas), tal não se verifica. Há um estilo, contudo, que sobressai de forma positiva: o de Kunoke e a sua banda desenhada.
Banda desenhada?!
Sim, leste bem!
A Máquina confessa que não contava que um jogo completamente indie pudesse conter artigos de luxo, muito menos uma sugestiva banda desenhada no livro: The Waves! É verdade! Se por um lado M. Solid na sua proza nos delicia com o universo de jogo, Kunoke fá-lo com uma maravilhosa e estilísca abordagem na sua banda desenhada, mais cinematográfica e menos manga do que se poderia esperar.
Se dúvidas houvesse quanto à atmosfera taciturna deste universo, estas ficariam completamente dissipadas com The Waves.
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O talento de Kunoke em The Waves fala por si e não precisa ser defendido. |
O melhor
Os créditos entram a seguir, qual prólogo de filme imaginado nas nossas cabeças mal pegamos Demon Ninja e avidamente devoramos as suas páginas. Quando ainda suspirava pelo conto da bela Akane deparo-me a ler uma isenção de responsabilidade (o vulgo disclaimer) onde basicamente Demon Ninja avisa o leitor de que o conteúdo que se segue não é para todos ("grotescos demónios japoneses, perversos shinobi sobrenaturais, implacáveis cultos ninjas e explícitas técnicas horripilantes de matança") mas não se lamenta por isso. E para o caso do leitor não levar a sério, mama com outro disclaimer logo a seguir para saber que M. Solid não pretende o hype com a sua declaração, apenas ser honesto quanto às expectativa acerca do conteúdo. A partir daqui fica dado o aviso e a responsabilidade é inteiramente do leitor.
É de notar o esforço não só em escrever as regras com clareza e o mínimo texto possível, contrastando com os generosos textos sobre todos os detalhes variados do universo de jogo, de forma a que o Mestre de Jogo menos proficiente nessa estética fique não só informado mas -quiçá- com sede de mais cultura nipónica e cinema dos anos 90.
O capítulo da Criação de Personagem, embora longo, é muito fácil de seguir e extremamente bem conduzido pela voz do autor.
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O livro meticulosamente explica passo-a-passo como criar o teu Demon Ninja favorito! |
O pior
Não vou considerar a dureza e violência explícita do jogo como sendo aspetos maus, mesmo sob as lentes sensíveis de hoje em dia. São características próprias e aludem a uma sensibilidade 90's hardcore (que apela deveras À Máquina). Contudo, este abordagem de universo de jogo reduz Demon Ninja a um público que embora potencialmente mais ferveroso desta experiência extrema será também consideravelmente menos vasto.
É lamentável que só exista uma versão digital do jogo, quando poderia ser um belo artefacto na estante de RPG de qualquer ávido colecionador de jogos obscuros. Por toda a arte (menos uma) que tem, certamente vale o esforço, especialmente com a novela gráfica incluída!
Infelizmente o pior do jogo é precisamente aquilo que mais sobressai e (a meu ver) de forma desnecessária e até injusta: a sua capa. Não faz de todo justiça ao grande jogo que Demon Ninja é e ninguém sabe. E não fará certamente nada para se passar a saber.
O veredicto
Pros
- Composição de universo de jogo cuidado e uma abordagem com reviravolta única;
- A BD que acompanha o livro é um luxuoso bónus;
- Drop1: The Dojo Version detém umas soluções mecânicas inovadoras e uma maneira distinta na forma de ganhar (e perder) XP;
- A arte! Essa gloriosa arte desde a interior a The Waves!
- Por $2,99 não há desculpas para não se jogar Demon Ninja.
Cons
- Não é um jogo para iniciantes. Ainda que relativamente simples, está desenhado com uma intencional curva de aprendizagem que não procura uma assimilação rápida;
- Apenas uma futura versão digital. Disciple Studios, queremos o Demon Ninja físico, ouviste?!
- A capa é AI. Não faz jus à magnífica beleza interior do livro. Quem sabe numa futura versão física?
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